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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

"Memórias de um Porteiro" (Livro de Denival Matias)



* Por Danilo Cerqueira

Há mais ou menos um ano, um colega (de Letras) de escrita colocou um livro em minha mão: Memórias de um Porteiro. Esse livro apresenta a trajetória de um jovem porteiro (mas também portador) que, depois e muitos problemas de ordem social, profissional e amorosa na vida, enfrentados desde a infância, encontra uma garota e vive uma história de amor... E a confessa para nós.

Eu disse, entusiasmado com a publicação, que faria um texto para divulgar o trabalho no blog da revista (um exercício de crítica-resumo-resenha literária).

Cito algumas passagens do livro que me chamaram a atenção:


Esse mistério é tão extenso que chega à eternidade. E nós, poetas do amor, vamos permitindo que ele se apresente de várias formas nos vários indivíduos que vivem mergulhados nesse bosque florido que é o amor. (p. 24).

[...] a vida é uma mala que arrumamos dia após dia [...]. (p. 31).

- E eu vou enlatando tudo que absorvo, do nascer ao pôr do sol. (p. 75)

Enquanto elas acham isso de mim, vou tecendo minhas virtudes em meus sonhos e fico encoberto por elas. A minha história servirá de exemplo para aqueles que procuram agir com responsabilidade e amor. Neste momento a morte não faz nenhum sentido, e sonho em chegar aos oitocentos anos. A ciência se multiplicará, e descobrirá a fórmula o rejuvenescimento. Com isso regenerando e gerando todas as células do nosso corpo. Assim terei muito tempo para expressar o meu sentimento, minha alma, meu ser ignorante.
São mais de quinze anos de construção, e se estenderá à eternidade. Quando os sonhos cessarem aqui, os celestiais continuarão premiando minha alma transformada. E enquanto a eternidade não chega, vou edificando minhas palavras em versos, que por sua vez edificam uma história. (p. 76).

Por dez anos andei entre os devaneios de adolescentes, nesse caminho que eu parecia estar perdido. A poesia que foi o meu alimento quase sempre, em alguns momentos era só o que eu tinha de companhia. Ver tanto e casa instante sentir-me tão longe de viver uma história que fizesse parte de tudo aquilo. Todos passavam por mim, mas só alguns faziam parte do meu viver, que avassalava toda a minha vida. (p. 89).


Gostaria de destacar alguns pontos do romance:

* Personagem e narrador se confundem com o porteiro (ou seria portador) do(s) adolescente(s), coerente com o texto apresentado ao leitor;
* O uso do gênero carta no romance marca de maneira sensível o perfil da maioria das personagens e do porteiro, intensificando o tom confessional, marca de todo o texto;
* O bom capítulo VI, com o retrato escrito do narrador-personagem e da proposta tramada pelo texto em função da ambientação e construção das personagens.

O livro representa uma fase. Talvez seja lido apenas uma vez, mas lido e vivido (vívido, vividamente) em alguma fase da vida. A trajetória segue (e certamente escreve) talvez em pautas de uma folha de almaço (popularmente e notadamente conhecido como papel pautado), tipicamente utilizada na infância ou adolescência, na escola, tal como a principal ambientação. As aventuras descritas com puerilidade e exacerbação, entre a aspiração à técnica e a insurgência da emoção, deixam, no tempo de leitura, o tempo da adolescência, com seus momentos intensos a saborosos, com inocência e altruísmo infantis, e até piegas, mas exatamente na medida em que o conjunto do texto parece exigir para sua coerência romântica, de origem e de aprofundamento no mundo interior dos sentimentos, de seu típico alheamento da realidade externa à lógica e ao pragmatismo contemporâneos. Assim, o enfoque na origem, seja ela existencial, religiosa, espiritual, social ou sentimental, é fomentadora de um efeito de leitura que, se é fácil de ser esquecido e até criticado negativamente, pode ser reconsiderado com um despretensioso acesso às próprias lembranças.

Parabéns a Denival... Um livro que, como este texto, foi (semente e) fruto de lembranças, para ser vivido, emocionado, lembrado, pensado, escrito e lido - em ordem nunca essencial para o leitor.



*Danilo Cerqueira cursa o Mestrado em Estudos Literários na UEFS.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

(Sem Título)

* Por  Larissa Lopes L. D. de Castro

Ando pelas ruas sentindo na ponta dos pés descalços o gosto
de morte do cheiro da chuva
no ar e na terra molhada de lágrima.
Procuro o lugar o caminho a encruzilhada
por onde você seguiu. Eu sigo
seguindo as placas que não me levam a
lugar
nenhum.

Os faróis piscam com o mesmo brilho cretino nos olhos daqueles marginais, mas
eu só entro num carro se for com você e
pra te perguntar por quê,
afinal,
você me deixou aqui
sem você caminhando sozinha à beira de uma
estrada imaginária perto de
enlouquecer.

Eu fingi que não mas tenho medo do som dos passos alheios
e da falta do teu abraço em passos que não vêm mais.
Eu chamo grito corro
e me engano porque as placas na estrada não valem muito quando
não se tem para
onde
ir.

Na noite pouco se pode ver do teu sorriso que de tão bonito em nada
se parece com os sorrisos daqueles marginais.
A cabana em que você se esconde é longe demais e embora eu não tenha pressa
também não me resta forças para sequer dar um passo a mais.
Eu entro em qualquer carro que parar, parei de procurar, o sol já vai nascer
e o meu amor por você não morre,
só eu
morri e morro
todos os dias.

O sol já vai nascer pra você,
amor e
eu
trocarei amor por paz em moedas de migalhas que, eu sei,
mereço.
E você, eu sei, fez bem, você sabe, em ir embora
de mim
a tempo.

*  Larissa Lopes L. D. de Castro é graduanda em Licenciatura em Letras com Língua Inglesa na UEFS.

sábado, 14 de dezembro de 2013

O CHORO DO HOMEM-BOMBA

* Por André Ricardo Gomes dos Santos

– Grande homem...! Era o que ouvia quando saía de casa com aquela sonolência diurna. O trabalho lhe esperava, e aquele cidadão com aquele cachorro sujando toda sua calçada até tornava o escritório um bom lugar para se estar naquele dia. – Olá vizinho! Cumprimentava por educação e saía o mais rápido possível, antes que seu lado homicida falasse mais alto. No seu carro tudo parecia melhor, cheirinho de couro novo, ar gelando, até esquecia para onde estava indo. Mas essa sensação não durava quinhentos metros, o semáforo estava na cor que ninguém gosta. Lá vem esse menino remelento com suas varetas de malabarismo arranhadoras de importados, ele pensava, e o pobre operário mirim das ruas, estendia o braço mesmo sabendo que daquele engravatado nem um centavo sairia, como sempre. O farol verde dá uma esperança, e o Corolla desloca suavemente, deixando o que para ele era mais um bípede inútil para trás. Trinta minutos para chegar à multinacional, e seu automóvel começava a não ter o mesmo conforto, doutor pra lá, doutor pra cá era o que ele sabia que iria encontrar, e chingamentos e maldizeres pelas costas, é claro, pois ninguém gostava daquele carnívoro dos negócios; ou inveja, ou medo, ou raiva, ou todos juntos o que era o mais comum, e ele sabendo disso e rindo e tomando café fraternalmente com seus subalternos, como se fosse tudo um mar de rosas. E vinte minutos para o destino e o que ele vê, ou melhor, escuta, é uma ópera desafinada de buzinas, um acidente, logo a frente, pelo pouco que podia ver, era uma motocicleta, ao lado da via num local arborizado, sem o piloto e toda despedaçada. Mais um jovenzinho vendendo água mineral entre os veículos inertes, e dessa vez ele baixa o vidro, mas não para ajudar, e sim para indagar o que acontecia: – O que se passa moleque? Ele pergunta. – O caminhão passou por cima do playboy na moto, doutor! Responde o menino. – Só podiam ser esses suicidas inveterados, bem feito, menos um! Diz ele. O ambulantizinho até sai de perto, pela violência da vociferação daquele maléfico ser, o qual, o que mais desejava é que tirassem logo aquele cadáver dali, para poder seguir seu rumo. Os policiais desviam o trânsito e os pneus voltam a cumprir sua obrigação, ele já estava cinco minutos atrasado, mas ainda deu tempo de ver seu irmão morto no asfalto.

* André Ricardo Gomes dos Santos é estudante do oitavo semestre de Letras Vernáculas na UEFS.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

FANTASIAR

* Por Priscila dos Santos Trindade

Oh ideologia perspicaz
Que me acorrenta sem misericórdia
Tenho medo de me perder por ser incapaz
De recuperar, sem ti, a minha tranquilidade

Seria tu a razão de eu não tê-la
Será que achas justo tamanha crueldade?
Deitar e me afogar em desejos cruéis de sentinela
Me achar banal em sua tamanha intensidade

Devia ter me importado aquém de tanta seriedade
Porque ainda que esnobe minhas afeições
Não teria eu que me afogar aos prantos por ti
Que há eu de nem chorar a última gota
Dane-se a coerência dos sentimentos
Gozar da fantasia é amar toda esta estupidez.

* Priscila dos Santos Trindade cursa Letras com Inglês na UEFS.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

PALAVRAS

* Por Tainá Matos Lima Alves

Como dizer-te do amor que sinto,
Que jamais sen[ti] igual?!
Como dizer-te dos pensamento meus 
em que tu estás sempre presente, tão real ?!

Como explicar do oceano: 
maré cheia de nossos corpos nus?!
Como falar-te essas palavras, 
sentido dual, sem sentido, 
desse amor sem sentido?! 

Expressaria as palavras o que tenho a dizer-te...?

Como falar-te que povoas os meus sonhos;
Que invade o meu riso;
Que penetra meu corpo
e liberta minh'alma?

Qual o melhor jeito de dizer 
quando  já não se tem nada para falar?
Qual a melhor forma de calar
quando ainda se tem muito a dizer?

Como dizer-te o indizível?
Como poderia você, ouvir o inaudível?

* Tainá Matos Lima Alves é estudante de Letras com Espanhol da Uefs.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CURSO DE LETRAS: PARA QUÊ?

* Por Joilma Maria de Freitas Trindade

Sei que a educação no Brasil está longe de ser satisfatória. O assunto é sempre polêmico, mas acredito que se deve elevar os padrões do sistema de ensino atual do curso de Letras através da atualização de seus conteúdos e pela adequação da estrutura curricular às necessidades dos alunos e dos setores da sociedade aos quais cada instituição se faz veicular. Não esquecendo, porém, de repensar a universidade, suas fases, o ambiente em que está inserida, o método de lidar com o conteúdo e com o mundo da informação, sem perder de vista os aspectos culturais dos seus alunos e professores. É preciso também maior investimento na formação dos docentes, porque estudar Letras não é só ler, escrever e interpretar. É aprender a desenvolver o senso crítico, a pensar, analisar os problemas e suas soluções. 

Dessa forma, adaptar os conteúdos dos cursos de Letras, hoje fragmentados, à nova realidade é imprescindível para o processo de ensino-aprendizagem. Faz-se necessário que nesse ensino sejam exploradas metodologias capazes de confirmar o conhecimento que o aluno adquiriu, ou seja, oportunizar ao aluno a prática do que se aprendeu na teoria; a expansão do espírito crítico, o estímulo à criatividade e a compreensão das dificuldades propostas. Além disso, é importante o desenvolvimento de métodos de ensino que levem não só ao descobrimento das potencialidades do trabalho individual, mas também do trabalho em equipe. Isso proporciona autonomia ao discente, concede-lhe segurança em relação às suas próprias atitudes e capacidades; permite-lhe se sair bem nas mais diferentes complexidades.

Nesse contexto, entra o professor com o desafio de enfrentar uma sociedade globalizada, turbulenta e em constante processo de construção. Uma escola em que os alunos fazem a escolha profissional de forma precoce, muitos, ainda bem jovens, forçados pelos pais a escolher uma carreira universitária sem informações precisas e confiáveis sobre a futura profissão. Em contrapartida, têm em suas mãos a responsabilidade de ensinar pessoas a aprender e aprender. Formar cidadão responsável e sujeito empreendedor, instruir para o desconhecido, sobretudo porque a qualidade, a competitividade e o conhecimento é que movem o mundo. Entretanto, o que se percebe é que o papel do professor está em desacordo com os padrões atuais de gerar cultura. Existem docentes que, alheios às suas funções e, com preguiça quem sabe, repetem avaliações, temas, proposta de trabalho aos alunos. Assuntos que não fundamentam o ensino-aprendizagem.

Além de qualificar os professores de Letras, é essencial trabalhar pela valorização de seu trabalho profissional, pois passam por suas mãos todos os cidadãos brasileiros. O estudo das Letras é um instrumento básico para todas as áreas do conhecimento e para comunicação do homem. Por isso, carecem de ter uma boa remuneração pelos serviços que prestam à sociedade. Contudo, a valorização não deve vir só da parte do Estado e dos empregadores, mas também do próprio docente. É preciso que ele se sinta honrado pelo que faz. Que perceba o quanto é importante a sua tarefa, que é contribuir para o progresso e desenvolvimento do ser humano e do país.

Sobretudo, deve-se estar atento ao duelo presente na escola atual para atender às demandas do processo educativo brasileiro. Compreender a incumbência da universidade na sociedade do conhecimento, das constantes mudanças, da globalização, sem, todavia, não se esquecer dos contrastes sociais, das desigualdades econômicas, a degradação ambiental, a exclusão e a discriminação, pois nisso também consiste o papel da universidade.

Aí vem a pergunta: Curso de Letras? Pra quê? O professor não é mais o detentor exclusivo da informação a ser transmitida para o aluno. A velocidade da produção e circulação de informações leva a pensar que a educação deve produzir no aluno uma capacidade de continuar aprendendo. Recorremos ao curso de Letras, pois não se trata mais de acumular informações porque elas estão disponíveis a quase qualquer um, mas desenvolver-se individualmente, refletir o aprendizado, ler e escrever conteúdos de forma crítica e responsável.

Por fim, nossos cursos de Letras não são, eles estão flagelados. Essa situação pode e deve mudar. Basta para isso que ocorram as mudanças na estrutura curricular de formação profissional e acadêmica, de modo a se compatibilizar com a universidade que temos. O docente receba tratamento e remuneração digna à importância que ele detém. O governo veja, na hora de liberar recursos, a educação como investimento, e não como “despesa”. O aluno seja incentivado a buscar conhecimento para transformar o espaço singular e o pluralizado. Haja incentivo e fortalecimento das práticas de pesquisa na área. Caso essas mudanças não ocorram, corre-se o risco de isolamento científico, tecnológico, econômico e intelectual de um mundo em acelerada transformação.

* Joilma Maria de Freitas Trindade é estudante do 3º semestre do curso de Letras Vernáculas da UEFS, turma 2012.2.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

CASAMENTO

* Por Jaciene Andrade

Na mão, eu tinha o papel já um tanto suado me indicando a casa apoiada no monte. Incorporada à paisagem, ela parecia se fazer de ramos, e pedras, e chuva, e ar. A carta? Ah, puro amor clareando o papel pardo primorosamente recortado... A caligrafia fina, levemente inclinada para a direita, deslizava vez ou outra sob as linhas marcadas a régua. No rodapé, um pequeno mapa artesanal com uma setinha indicava: “minha casa”. 

Havia anos que não nos encontrávamos. Amizade de infância. “Tenho tanta coisa pra te contar...” Disse-lhe que morava na mesma casa, que me visitasse. Eu, com minha cabeça nas nuvens. Ela, com a alegria de sempre, me prometeu que viria. Vi seu olhar úmido, arrebatador, transpiração enevoada de uma alegria urgente. Eu não a compreendia – nossa partilhada distância. Ela disse algumas palavras rápidas, que logo se embolaram com a nuvem de fumaça que se seguiu. O ônibus tinha se arrastado numa tosse rouca. 

Virei a página. Mas, um dia, a carta dela chegou. Escrevia me levando sutilmente pelas bainhas do assunto. Finalmente: iria se casar, e me convidava para uma cerimônia simples em sua casa, no Monte Alto. Por que ela vinha agora com aquele convite? Senti profundamente haver deixado o tempo escavar um penhasco entre nós. O tempo, certamente um injusto culpado de minhas injustiças. 

O estremecimento da culpa me fez partir, de carta nas mãos, rumo à casa do Monte. A passagem me despiu das capas de civilidade. O vento reordenara meu coque, os calos me fizeram retirar as sandálias. O suor, que manchava tímido a maquiagem, passou a brotar caudaloso. A vida anda por caminhos estreitos. Sentia antecipadamente a alegria do casamento, lembrança daquela parte de vida que ela havia deixado em mim, agora em ponto de renascimento.

Aproximava-me da casa e do pôr-do-sol. Rastro de flores. Vi a chama cambaleante de uma vela. Os convidados não teriam chegado ainda? Um violão silencioso guardava a frente da casa. O tempo virando chuva arrebatada. Comecei a ouvir conversa baixa. Um cheiro doce de café...  Que casamento diferente! Alguns laços brancos amarrados nas pilastras da casa. À medida que me aproximava, sentia a conversa se assemelhar a uma reza, uma ladainha... O vento se avolumando em rápidas gotas de chuva. Um móvel de madeira coberto parcialmente por um tecido branco. Foi quando desmoronei na certeza que não queria ter. Havia um caixão na sala.  

Ninguém ouviu meu grito, a não ser meu corpo paralisado. Aproximei-me do caixão, como quem não tem mais nada na vida. Ela, de véu e grinalda, perfeita noiva. Um soluço me lacerou o peito, ao tempo em que o conjunto de xícaras que trazia se estraçalhava miudamente no chão. Lá fora, um trovão ecoava, enquanto uma derradeira chama de sol insistia em não sair.

* Jaciene Andrade cursa Letras Vernáculas na UEFS.

sábado, 9 de novembro de 2013

AOS POETAS...

* Por Rosângela Ramos da Conceição

Dizem que poetas são loucos
Louco! É negar a beleza das palavras
Ser médico um dom, ser engenheiro um dom
Ser poeta para poucos.

As palavras fascinam o homem
Falam verdades de maneiras sensíveis
Fala aos brutos, mas eles não ouvem
Fala aos pequenos de alma e eles não entendem.

A vida de um poeta é curta,
Para falar tamanhas verdades
A vida dos homens comuns se torna longa
Para viver tamanhas inutilidades

As penas dos poetas criam sonhos
Oferecem escapes,
Essa mesma pena soa palavras que
Destroem vazios e preenchem com criatividades.

* Rosângela Ramos da Conceição cursa Letras Vernáculas na UEFS.

sábado, 2 de novembro de 2013

REPENSAR O CURSO

*Por Ilana Benne Falcão Maia


Visibilidade. Esta é a palavra que falta para o curso de Letras, no geral, não só em uma universidade específica, mas na maioria, se não em todas. O curso em sua amplitude é escasso de apoio, o que é uma triste contradição pois o mesmo deve, ou pelo menos deveria formar professores qualificados para o ensino público, já que a educação é a base para formar um cidadão crítico, pensante, ou deveria ser assim. Por isso a necessidade deste apoio, não só financeiro, claro que este é essencial e obrigatório para todos os cursos de graduação, mas um apoio dentro da própria universidade, para quebrar o estigma de ser um curso fraco e sem visibilidade.

Antes mesmo de ingressar no curso de Letras, já imaginava que junto com essa grande conquista viriam os comentários do tipo: "Letras é só sombra e água fresca". Pois bem, este foi a primeira frase que ouvi se referindo ao curso. Mas a pergunta que não cala em minha mente desde que entrei para assistir a primeira aula, não tendo nenhuma dúvida de que era isto mesmo que eu queria, é: o que é ser professor? Por que estamos aqui para isso, sermos professores de literatura ou linguística, que seja. Pois é isso que o curso de letras forma, professores. Ou pesquisadores, mas, em suma, são professores mesmo. 

Nada mais difícil do que ser professor nos tempos de hoje, não é "sombra e água fresca" mesmo. Será que ninguém parou pra pensar ainda que ser professor é uma extensão de ser família? Pelo menos penso assim, estamos sendo formados para formar uma dia cidadãos críticos, leitores que analisam a vida por outro olhar, o olhar que pensa. Estamos na era do conhecimento, mas conhecimento este que é pouco explorado, ou talvez usado de forma errada, a sociedade está caminhando para a alienação imposta pela mídia, pela religião, enfim, nunca se pensou tão pouco. Dentro do curso de Letras vejo o caminho para fugir desta alienação, aqui pretende-se formar leitores melhores, escritores melhores. Trabalhar com letras, com a língua que está sempre em movimento não é tão simples quanto se pensa, haja vista que daqui a alguns semestres, terminado o curso, lidaremos com a formação de novos profissionais independente da área. São vidas, lidaremos com vidas diferentes das nossas, com histórias diferentes da nossa, e este é o diferencial. Fazer-se compreender, e compreender o outro na diferença, em primeira mão digo que é esta primeira impressão que tive ao início das primeiras aulas. E tenho ainda.

Mário Quintana disse que: “livros não mudam o mundo. Livros mudam pessoas. Pessoas mudam o mundo.” Só mudaremos todo o resto se mudarmos primeiramente dentro de nós mesmo, abrindo a mente e os olhos e enxergando que o Brasil é um país com potencial para crescer, mas que sem educação de qualidade isso não funciona. Não é necessário pesquisar muito, nem ir muito longe para ver a sujeira que o país está se tornando ao investir bilhões em estruturas para a Copa do mundo enquanto o piso salarial dos professores são míseros R$ 638,00. Se não houver investimento, qualidade de trabalho e uma atenção melhor àqueles que estão ingressando nos cursos de licenciatura os índices de analfabetos funcionais só irão aumentar. Por que só se têm bons alunos quando se têm professores exemplares e qualificados. 

Isso tudo só faz com que a profissão que antigamente era de prestigio, hoje perca todo seu valor. Poucos querem ser professor por que a própria sociedade divulga essa imagem de que não vale a pena. Mas apesar dos apesares, acredito que o curso de licenciatura valia a pena sim, quando se faz por amor, não adianta entrar ás cegas isso só dificulta ainda mais a qualificação dos novos profissionais. Estar preparado para encarar os desafios o curso que você escolheu e se entregar a ele é o primeiro passo para mudar um pouco que seja o quadro de bons profissionais na área de educação. Mas a mudança principal está em "observar" melhor as carências do curso e voltar para dentro dele, principalmente aos olhos da própria universidade. 

O profissional de Letras tem um peso enorme na sociedade, devido ao vasto conhecimento que adquire enquanto se forma, porém ser professor não dá ibope. Por isso os números "catastróficos" de analfabetismo no país são desconhecidos pela maioria da população, como cita Bagno. O Brasil para, literalmente, por alguns minutos diante do telejornal e não se ouve uma "reportagenzinha" sobre a educação, sobre a real educação das escolas e das universidades. Não se fala sobre qualificação de professores, simplesmente não é importante. A educação no Brasil é precária, fato. E se falta o recurso financeiro tem-se o recurso humano, mas falta a qualificação, falta um novo currículo para os estudantes de letras que enfatize a linguística, e que ensine realmente o que um professor deve ensinar.

Enfim, ao repensar o curso de letras é preciso pensar em professores que irão formar cidadãos cientes da democracia do país em que vivemos, ou da suposta democracia que deveria existir. É preciso “letrar” os futuros professores, assim mesmo, usando o neologismo “letrar” nas proporções de alfabetizar a nível acadêmico os estudantes que a cada semestre ingressam nas universidades, primeiramente observando que o curso de Letras não é um curso simples, é uma área complexa que precisa de uma atenção minuciosa. Ainda há muito a ser discutido, pois este é um problema de grande escala que pelo andar da carruagem tende a tomar proporções ainda maiores. Analfabetos são como pessoas praticamente cegas ao mundo, não enxergar as palavras é não enxergar a vida. Alguns são diante da sociedade analfabetos, pois sabem das falhas e das rachaduras do sistema educacional e fingem que não veem. 

Ilana Benne Falcão Maia é estudante do 3º semestre do curso de Letras Vernáculas da UEFS, turma 2012.2.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O CRAVO E A ROSA

*Por Alesandra Marques Cerqueira

A flor amou o cravo.
A flor sofreu pelo cravo.
A flor desejou o cravo.
A flor adoeceu pelo cravo.
A flor quase enlouqueceu pelo cravo.
Porém, o amar, sofrer, desejar, adoecer e enlouquecer,
Fez com que a rosa, aparentemente frágil e imatura,
Crescesse e amadurecesse.
Talvez não totalmente,
Mas o suficiente para seguir em frente.
Percebeu que ela é mais do que parece ser.
E é mais forte do que pode imaginar,
Mas essa força não veio do nada;
Buscou desesperadamente em outras rosas
E em seu melhor amigo e criador.
A rosa continua caminhando.
Por vezes lembrando-se do cravo.
Mas não como o Deus de sua vida,
Como precisasse dele para viver.
E sim como um enigma
Que traz muitas perguntas
E nenhuma resposta.
E talvez por isso, deixa-se que ele
O visite de vez em quando
Em seus pensamentos e coração.
Porém, com toda convicção de liberdade.

* Alesandra Marques Cerqueira é estudante de Licenciatura em Letras com Espanhol na Universidade Estadual de feira de Santana.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

SEMPRE ACONTECE...

* Por Nádia Rocha


E do nada bate uma saudade... De coisas que vivi, dos velhos tempos, de ontem, coisas que marcaram e jamais serão apagadas. Ah! Quem dera por um instante eu pudesse reviver cada um, sei que não é possível, porém queria que fosse. Às vezes dá vontade de voltar no tempo, sorrir novamente, aquele sorriso que por horas durou, aquele sorriso que a barriga chegou a doer de tanto rir. Dá vontade de dá um abraço naquela pessoa que muitas vezes abracei, mas queria ter a oportunidade de dar outro bem apertado. Dá vontade de dizer “te amo” a quem eu verdadeiramente amo e não sei o porquê de nunca ter dito, ou ocasionalmente não ter passado em minha mente dizer quando me encontrava com ela. E sempre me pergunto: por que não fiz isso ou disse aquilo? Eu poderia ter falado ou feito dessa maneira... Logo vem aquele “arrependimento” básico que ficamos por horas pensando e reinventando formas de como teria sido se eu tivesse mais uma chance. E sabe por que ele vem? Para quando eu e você tivermos outra chance de estar com a pessoa, possamos dizer o que uma vez não falamos. Então, que não percamos tempo de falar, demonstrar, abraçar e dizer o quanto alguém é especial e importante em nossa vida, pois o tempo não volta. Outras oportunidades virão, mas jamais da mesma forma. Não as espere, fale na primeira que tiver. Pense: e se fosse o último encontro com essa pessoa?! Aproveite cada oportunidade, todo dia, o dia todo! 

* Nádia Rocha cursa Letras com Espanhol na UEFS.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

OCULTO

Por Tainá Lima*

Quando estás dentro de mim,
devorando-me, chegas ao meu coração,
arranca a minha alma, rasga-me em mil pedaços...
Eu me perco em nossos desejos
e me encontro em teus braços,
No compasso rítmico de nossos corpos juntos.
Você, de uma forma tão voraz,
abraça-me por trás,
é possível sentir teu sexo dilatando,
competindo espaço entre você e eu.
Com suas mãos tremulas,
acaricia todo o meu corpo:
len...ta..men..te [···]
Nossos corpos, um oceano.
Maré cheia, delirante
Sua respiração ofegante
me fazendo estremecer de desejo.
Num descompasso ardente
seus lábios beijam os meus [...]
Um pequeno momento eterno...
Entre o desejo e eternidade.
Entre você e eu.

*Tainá Lima cursa Letras na UEFS.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Se eu não existisse...


Por Luciene de Queiroz Costa*

Não se sabe ao certo onde e quando ele nasceu.  Hoje eu apenas tenho uma certeza: que em seus primeiros dias de vida teve a mãe por perto para lhe dar o precioso alimento – leite materno. Nada mais! Não sei como vivia, ou se tinha irmãos, onde dormia, do que brincava, do que gostava... Negro, raquítico, grandes olhos, pernas compridas e finas.

Talvez por conta da sua aguçada curiosidade de criança, ele tenha resolvido, naquela tarde de verão, ir brincar nas ruas do bairro do Jardim Cruzeiro, sem sequer imaginar que o seu destino iria mudar completamente e para sempre.

Assim que chegou à calçada viu um objeto estranho parado perto de onde estava. Era gigante! Jamais havia visto tal coisa em sua breve vida. Era vermelho com tiras laterais pretas, possuía rodas e vidros que brilhavam a luz do sol. Um medo enorme tomou conta do seu pequenino ser. O que era aquela coisa? O que fazia aquela coisa? Aproximou-se e percebeu que o gigante estava imóvel. Resolveu investigar um pouco mais. Subiu nele, examinou cada detalhe, seu cheiro, sua cor e viu que aquela coisa, além de gigantesca, tinha esconderijos incríveis por dentro!  Era tudo muito novo, parecia um labirinto com várias entradas e saídas, maquinário estranho, cheiros fortes, ambiente quente. A excitação daquelas descobertas o fez esquecer-se do tempo que passava e da noite que se aproximava. Era tudo tão magnífico, tudo tão deliciosamente fascinante que nada mais importava...

A noite chegou e a escuridão tomou conta de tudo. Ele não conseguia ver nada em volta de si. Mas que importância isso tem? Afinal ele estava dentro do gigante e sentia-se orgulhoso de sua conquista! Foi tudo muito rápido quando começou a ouvir vozes e o gigante – agora acordado - passou a se mover. Seu medo cresceu dentro do peito e ele só teve chance de se agarrar para que não caísse ou fosse devorado por aquele barulho ensurdecedor! Deve ter gritado, pedido por socorro e se arrependido de ter entrado ali sem autorização. Tudo em vão. O gigante andava e balançava e ignorava aquela intrusa presença dentro de seu interior. Foram terríveis os minutos que se passaram até que o gigante parasse novamente em frente a uma casa verde. O pequenino estava em choque. Imóvel. Sua respiração estava ofegante. Sua voz mal conseguia pedir para ser escutada, mas ela foi ouvida em algum momento desse interminável percurso.

Enquanto ele tentava raciocinar e entender o que estava acontecendo, o gigante se abriu e ele pode enfim ver que estava num ambiente totalmente novo. Continuava em pânico. Um rapaz, um pouco mais velho que ele e tão raquítico quanto, o retirou de lá. Eles não se falaram. Nenhuma palavra foi dita. Ambos estavam assustados com aquele inusitado encontro. 

A dona da casa verde, que vivia em sua janela à espera ninguém sabe de quê, viu a cena. Não queria participar dela, apenas assisti-la como sempre fazia. Ela já tinha problemas demais, e ver a vida alheia correndo lá fora a fazia esquecer-se da sua inútil existência. Inacreditavelmente a vida dela também estava prestes a mudar naquele momento e para sempre quando o rapaz virou-se para ela e disse: “Moça, quer ficar com ele pra você? Se não quiser deixe-o na rua mesmo pois eu vim de longe, estou indo para a igreja e não posso levá-lo”.  Agora eram três os assustados – o rapaz, a dona de casa e o negrinho. “Com que direito este rapaz se dirige a mim? Como foi capaz de tamanha frieza ao perguntar tal coisa? Que espécie de ser humano é esse que age assim tão secamente? O que vou fazer com este ser indefeso?” Foram tantos sentimentos e dúvidas numa fração de segundos difícil de imaginar, mas ela, ainda atônita, acabou por acolher o pequeno.

A primeira coisa que fez foi oferecer um pouco de água e comida. Depois pensou o que faria com aquele ser feio, subnutrido e negro. É preciso que se diga que não era racismo, mas é que ela conhecia um pouco do mundo e sabia do preconceito que existe. Já era tarde, arrumou um cantinho pra ele dormir e esperou que como mágica aquele problema se resolvesse no novo dia que surgiria. Ela tinha medo, já havia enfrentado a família para poder acolher em sua casa outra vítima do abandono e achava que não seria capaz de fazer isso novamente.

O tempo foi passando... o pequenino foi se desenvolvendo, ganhando saúde corpo e beleza, conquistando a todos com suas gracinhas infantis. Recebeu o apelido carinhoso de “Estrupício”, mas ele nem parecia se importar com isso, afinal havia vencido o gigante e agora tinha uma família carinhosa, cuidados e mimos que muitos de sua raça jamais terão!

Estrupício hoje é o xodó da casa verde, muito carinhoso, doce, educado. Aquele gatinho feio e raquítico ficou no passado. Ele se transformou num lindo gato preto que, juntamente com sua dona, acolhe todos os outros que chegam perdidos e abandonados como ele um dia chegou!

A dona da casa verde hoje tem consciência de que sua vida não é inútil. Ela aprendeu que a vida é muito maior que uma janela e que sempre existirão gigantes para enfrentar! Aprendeu que vitórias e derrotas fazem parte da caminhada! E, se perguntarem a ela o que seria do século se ela não existisse, a resposta seria imediata: “do século eu não sei, mas sei que a vida de dezenas de felinos que ajudei não teria o mesmo final feliz que tiveram!”.


Luciene de Queiroz Costa é aluna do curso de Letras Vernáculas e moradora da Casa Verde desde 2006.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ninguém quer ser negro

Por Rosana Carvalho Brito*

Certa vez entrei em um estabelecimento para tirar xerox de um documento. Fui atendida por duas funcionárias de aparências próximas, curiosa para saber se guardavam algum parentesco entre si, interroguei uma delas, essa com um tom brincalhão, me respondeu de pronto “Minha irmã? De jeito nenhum, na minha família não tem preto” nisso a outra irritada revidou “Essa é boa! Uma nega de dá veneno, falando de mim”. Eu percebendo que a discussão se estenderia, recebi meus papéis, paguei e tratei de sair de lá. No caminho de volta não pude deixar de me perguntar qual era o critério que a moça que interroguei usou para não se classificar como negra, ela se parecia com a outra inclusive no tom da pele, se diferenciava apenas por ter cabelos mais claros, com fio reto e aparentemente mais fino. Como essa moça, muitas outras pessoas fazem toda questão de deixar claro que não são negras, mesmo quando são. Isso leva a uma conclusão bem óbvia: atualmente os negros ocupam funções sociais que no passado pareciam inalcançáveis, mas, ainda assim são vistos com um olhar diferente, tanto é que poucas pessoas não têm vergonha de afirmar: “Eu sou negro”. 

Feira de Santana, 25/04/2013

*Rosana Carvalho Brito é estudante de Letras Vernáculas

terça-feira, 1 de outubro de 2013

MEMÓRIAS

Por Bruna Maria*

No momento em que eu me preparava e arrumava todos os objetos nas caixas para a minha mudança, entrei em meu quarto, comecei a separar todas as peças com a maior sutileza e paciência; uma por uma. E nesse mesmo instante em que eu revirava o meu aposento, encontrei um velho baú, o qual eu não me recordava da existência, ele estava completamente empoeirado, possuía um cadeado com marcas de ferrugem e envelhecido. Acredito que assim como o nosso corpo sofre com as assolações do tempo e as mudanças do meio, com ele não poderia ser diferente. Olhei-o fixamente durante alguns minutos, tentando evocar alguma lembrança do que ali eu havia preservado. Mas, em mim, das poucas recordações que existiam, eram distantes e vez por outra me deixavam com uma enorme sensação de vazio.
 
Provavelmente a chave daquele ferrolho devia ter se perdido nas bifurcações do mesmo recinto em que me encontrava. Com isso, não hesitei em procurar algo que desfizesse aquele obstáculo ao qual fui imposto. Encontrei uma espécie de martelo, ou algo que o imitava; peguei o baú e lancei sobre o cadeado uma bordoada que rapidamente fez com que o mesmo se abrisse. Nesse intervalo, sentei-me no chão e cuidadosamente fui levantando a parte superior da canastra. Ao abrir a mesma por completo, fui tomado por uma surpresa imensa. Ali haviam histórias representadas em cartas e fotografias que marcaram profundamente a minha vida. E, sentado naquela superfície plana, fui golpeado por um intenso sentimento de devaneio e nostalgia. Espalhei todo aquele tesouro no piso da minha alcova. Talvez algumas pessoas me achassem um longevo desatinado e se perguntassem: “Como ele pode considerar um amontoado de papéis velhos e lívidos uma riqueza?!”. E eu simplesmente deixaria um sorriso escapar e no meu mais íntimo responderia: “As lembranças são as maiores riquezas que possuímos, sendo assim, aquele sim era o meu verdadeiro tesouro...”.
 
Enquanto os meus olhos se perdiam naqueles envelhecidos retratos um tanto desbotados devido ao longo período que passaram dentro daquele baú, eu me esvaía em risos largos e utopia, mantendo assim uma ânsia imensurável de rememorar aqueles momentos similares. Além disso, diante de todas as fotografias que ali estavam, havia alguns envelopes que se perdiam no meio delas. Sobrescritos que carregavam cartas, as quais nunca foram entregues ao destinatário. A maioria delas eram minha, eu as escrevia e guardava. Embora não me faltassem palavras para descrever o meu sentimento por aquela que foi a minha vida, eu me tornava um fraco e desencorajado no momento de enviá-las para Antônia. Era assim que ela se chamava. Uma mulher de cabelos longos e negros, a qual possuía uma espécie de áurea que emitia uma paz somente através dos seus olhos. E dentre todos os meus escritos, encontrei um da minha querida Antônia. Nesse exato momento, o meu coração pulsou mais forte em meu peito, entretanto, retirei-o do envelope e desdobrei a folha pacientemente, apesar da tinta da caneta estar um pouco apagada em algumas partes no papel, não foi o suficiente para me impedir de ler a sua composição de palavras ali escritas. Com os meus olhos fixos nela, comecei a leitura:
  
“São Paulo, 19 de maio de 1948,
Meu querido Eduard,
Enquanto o sol brilha lá fora e sem que eu permita invade o meu quarto desfazendo todos os vestígios de névoa, encontro-me nesse exato instante sentada em minha escrivaninha, com uma caneta em mãos, buscando selecionar as poucas palavras para descrever o quanto a sua falta se faz presente nos últimos dias. Hoje, retornei ao parque onde costumávamos nos encontrar; sentei em um daqueles bancos que ficavam de frente para a lagoa e para aquela paisagem vislumbrante. Foi quando sem querer percebi a presença de um casal de idosos no banco ao lado. Eles se acarinhavam e amavam-se de uma forma tão pura e suave... aquilo era tudo tão lindo e ao mesmo tempo tão triste! Enquanto eu os observava sendo embalados pela canção do amor, sentia uma sensação áspera em meu peito, a saudade ia me dilacerando por dentro, pois a todo momento eu era invadida por doces e saudosas lembranças de nós dois. Passei quase duas horas lá, logo em seguida voltei para casa, e mesmo fraca resolvi escrever-te. Meu querido, tantas coisas aconteceram depois da tua partida. O ambiente mudou, os ares mudaram... a minha vida modificou... Sabe todos aqueles meus sonhos, planos e o destino que havia planejado para mim; para nós? Eles se desfizeram como grãos de açúcar em um copo d’água. Nesta manhã, descobri que tenho pouco menos de dois meses de vida. Sinto que esta será a última carta que te escrevo. Por favor, peço que não se desespere. O amor quando é verdadeiro sobrevive até mesmo à morte. E o nosso já superou tantas coisas, não é mesmo? Essa será apenas mais uma. Sabe meu amado, enquanto preencho estas mal traçadas linhas com respingos de tinta, caem poucas e silenciosas lágrimas dos meus olhos.  Por mais forte que eu tente ser, a cada palavra que está sendo posta nesta carta isso se torna cada vez mais impossível. Tenho a violenta sensação de que o meu coração vai sendo contraído aos poucos... Mas, eu te prometo lutar com todas as minhas forças para vencer esta doença e ficarei te esperando para nos envolvermos nos laços do fascínio debaixo de cada raio de luz solar. Para que possamos recuperar o tempo perdido, retomando todo o nosso amor.
Amo-te, para sempre!
De sua querida e eterna,
Antônia.”
 
Eu me encontrava oco, vazio, assim como aquele quarto. Ao ler cada palavra que se encontrava naquela velha folha amarelada, eu ia me perdendo em supérfluas e excêntricas memórias do meu passado. Mas, aquela carta foi o suficiente para fazer com que eu desmoronasse juntamente com o temporal que caía do outro lado da janela, enquanto um nó atravessava a minha garganta e algumas lágrimas escorriam pela minha face. Contudo, as enxuguei, levantei-me daquele chão, saí do meu quarto, tranquei a porta e mantive o meu silêncio.

Segurando um ramo de jasmim, a sua flor predileta, fui até o local onde Antônia havia sido sepultada, nenhuma palavra saía da minha boca, o meu desespero, meu pranto estendido e os soluços cada vez mais intensos, já falavam o bastante por mim; enquanto em meu mais íntimo me perguntava: “Meu Deus, porque eu fui fraco? Porque eu fugi daquilo que eu sentia? Porque eu te abandonei, meu amor? Por quê??!! E agora eu te perdi, não digo que para sempre, pois nada se perde para sempre... Fiquei ali entrementes algumas horas, estático e calado e com a sensação de que facas adentravam o meu corpo... E hoje, eu, um homem de 65 anos, levo comigo apenas as lembranças daqueles momentos que para mim, sem dúvidas, foram únicos. Além da paz do olhar de Antônia. E assim, espero calmamente pelo dia em que nos encontraremos pela segunda e última vez, para rememorar aqueles velhos instantes e para que possamos nos amar além do incontável e da perpetuidade. Pois, eu sei que o nosso amor ainda sobrevive em mim; em nós... E dessa forma, ultrapassa os estorvos da morte, aquilo que para muitos é o fim, enquanto que para mim, é apenas mais um recomeço do outro lado da vida.

* Bruna Maria é estudante de Letras Vernáculas na UEFS.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O conselho sobre o triângulo de um quarteto

Por Danilo Cerqueira*

Fonte: blog Palazzos Codomínios


Talvez quatro personalidades sejam necessárias para as formulações de um conselho: a idealista, a incentivadora, a pé no chão e a articuladora. Nesse quadripé formam-se e formulam-se ações para suportar as intempéries dos momentos controversos entre representatividade e coletividade. Falar de pessoas não é tão importante, em raríssimos momentos, quanto falar de suas personificações, características ou potencialidades. Creio que este é um dos tão pincelados momentos, porque o mais importante, no caso de uma revista acadêmica da graduação para graduandos em letras de nossa instituição pública, não deve ser a pessoa que exerce a função ou sua personalidade, mas o que de contribuição ela oferece para uma concretização reconhecidamente benéfica do projeto para o grupo criador, executor e atendido. Creio ainda mais que existe uma relação além das potencialidades de cada um, somente constatada quando há reunião e sintonia entre olhares e ideias, admirações e respeitos, mútuos, no espaço representativo e no seu público, ambos coletivos.

Quanto ao ideal e às ideias, elas formam as novidades, e estas movem os dias, o que seria uma redundância: todos os dias, por mais que não acreditemos, novos (ou renovos) pensamentos emergem de nossas cabeças. Um mesmo alimento, consumido diariamente, pode possuir normalmente as mesmas substâncias, mas a sua singularidade está, por exemplo, no momento em que o escolhemos e em nossa disposição quando o consumimos. Como ali-pensa-mentos, as ideias dão a certeza que não tivemos morte cerebral, embora às vezes pereçamos estar em um conhecido estado vegetativo (isso me lembra plantas, o que, pra mim, é uma confluência semântico-ortográfica com incoerência de sensibilidade).

O incentivo é tão importante quanto as ideias: sem estímulo para a criação e a execução das atividades (sair das raízes) propostas e planejadas (ou mesmo para a discussão), não existe grupo. Para estar numa constância, sentir vivacidade individual e coletiva, algo de não palpável ou objetivo precisa nos impulsionar. Um riso, uma palavra amiga, uma piada, uma pirraça ou uma personalidade pirotécnica são traços do que seria uma pessoa incentivadora. Ter isso em reuniões é, sem a demonstração forçada dessas características, um alento às agruras cotidianas em nossas lutas internas — e, paradoxalmente, para os outros e pelos outros.

Mas alguém precisa exercer a gravidade em torno da qual todos nós precisamos fazer as coisas, dizer que existe o mundo concreto e burocrático... que não se deve apenas combatê-lo com o pensamento positivo. Devemos mesmo agradecer a alguém por nos mostrar a dúvida entre o que nos pesa mais: a gravidade do mundo ou a gravidade das coisas, ou seja, a atração que a Terra exerce nas coisas (e pessoas) ou a força que as coisas exercem "na gente". Qualquer relação com o triângulo de incêndio não é mera coincidência. Assim, saber de nossas limitações (como também do meio em que estamos) é importante para transformarmos as ideias em ação de maneira estimulante, incentivando a continuidade e certeza de sucesso às próximas gerações.

Às próximas gerações... As próximas gerações precisam de provas de que as coisas dão certo... Essa talvez seja a tarefa mais delicada do projeto que se pretende permanecer. Ainda que os mais internamente envolvidos estejam certos de sua importância, é preciso provar e prover a segurança de sua continuidade por meio de uma forma de execução que contribua para a didática realização das atividades, na qual se vislumbre a certeza de que é possível para qualquer pessoa realizá-la, com alcance e êxito num futuro próximo e próspero. Esse espírito ou disposição para articular também precisa estar presente. Mesmo que tenhamos a ideia, o incentivo e a gravidade das coisas, onde estaria o momento de organização e feitura de nossas atividades? Como provocar em quem ouve e vê (ou apenas ouve ou apenas vê) a mesma determinação em aprender e contribuir com o que está à frente e ao alcance das mãos. Uma boa articulação, penso, deve ser, em nosso meio, entendível e promotora, insuflável e imperecível, didática e compartilhável. Imagino que a capacidade de demonstrar articulação inspira o compartilhamento da mensagem, o que proporciona a inebriante sensação de inclusão quando sentimos e quando comentamos sobre ela, ainda que a censura seja maior do que o elogio. A prova do entendimento marca a existência da articulação, fruto de que existiu (algum) planejamento. Nos casos exitosos, as ideias deixam de ser insossas, o incentivo passa da euforia ao entusiasmo... e o chão com a gravidade se combinam, formando o caminho e a perspectiva, a criatividade (mais idealista e animada) e a inteligência (mais realista).

Acho que acabei encontrando mais uma metáfora para meu texto: com quase 75% de água, calor humano, um planeta inteiro onde morar e ar quase à vontade, uma criança, brincando com um cone, começa a falar.

* Danilo Cerqueira é graduado em Letras Vernáculas pela UEFS, cursa o mestrado em Estudos Literários na mesma instituição e é membro do conselho editorial da revista Graduando.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Letrando da UEFS, envie imagens para a capa da 5ª edição

Olá graduandos e graduandas em Letras,


É com imensa satisfação que a revista Graduando informa que a nossa quinta edição está prestes a “sair do forno”. Por isso, gostaríamos de lhes informar que estamos selecionando fotografias, desenhos e imagens diversas, de autoria de graduandos em Letras da Uefs, para a capa da edição n. 5.

Diante disso, pedimos que enviem a(s) sua(s) sugestão(ões).

A Graduando se orgulha de ser uma revista feita para graduandos em Letras. E nada mais justo do que,  sempre que possível, dar a vocês o poder de ser parte dela.

O envio de sugestões deve seguir as seguintes regras:

ü     O tema escolhido para a capa é “Graduando, entre o ser e o saber, entre o semiárido e o sertão”;

ü     Só alunos da Graduação em Letras da Uefs podem enviar imagens;

ü     A imagem enviada pode ser de qualquer tipo (foto, desenho, colagem, pintura, arte digital...), contanto que seja de autoria daquele que a enviar;

ü     As imagens devem ser enviadas para o e-mail da revista, revistagraduando@gmail.com;

ü     O conselho editorial selecionará as imagens que passarão à fase de votação. Os critérios de eliminação serão: falta de qualidade da imagem, inadequação ao projeto e/ou descumprimento de alguma das normas acima;

ü     As imagens selecionadas pelo conselho editorial passarão por votação pública. A sugestão de capa mais votada será escolhida para a 5ª edição;

ü     As sugestões de capa estarão disponíveis para votação pública no blog da revista Graduando;

Aceitaremos imagens entre os dias 8 e 29 de setembro de 2013.

Então, graduandos, a Graduando mais uma vez conta com vocês!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A carta

Por Romário Sena*

Marina era uma menina jovem, inocente, meiga e cheia de sonhos. Vivia em um mundo diferente de todas as garotas de sua idade, não gostava do clichê que era ser garota. Ter que sempre ser comportada, sempre bem arrumada, sempre pintada. Ela gostava mesmo é de ser livre, viver de forma simples e confortável, mas sempre fora mal vista por tal comportamento.
Um dia na volta da escola viu um jovem rapaz, ele trabalhava em uma loja de CD's que acabara de ser inaugurada, ficou encantada com o rapaz, mas não sabia quem ele era.  Teve vontade de ir à loja de imediato, apenas para ter conhecimento de quem era ele, mas desistiu. Os dias que se seguiram ela continuou a observá-lo de longe, até que enfim tomou coragem e foi até à loja só para tentar um contato. Após a visita ficou ainda mais encantada com o olhar, o sorriso e o jeito daquele menino.
Pra sua surpresa, tudo veio a mudar, não de forma ruim, mas pra melhor. Ela chegou à escola e deparou-se com uma figura nova sentada na sala, havia poucos alunos na sala ainda e o professor ainda não havia chegado. O nome dele era Mike, e ela não sabia como se comportar agora com ele tão próximo e tão lindo. Então após alguns dias, eis que houve o primeiro contato, um professor fez uma atividade em dupla e eles por obra do destino ficaram juntos. Foi o contato inicial e mais importante para que ele e ela começassem a história mais linda já vivida na vida de ambos.
Tudo a partir daquele trabalho em dupla foi diferente pra ela e também pra ele. Tornaram-se cada dia mais próximos e cada vez mais ela se apaixonava por ele. E até que enfim o inevitável aconteceu, eles estavam saindo da loja onde ele trabalhava e por um descuido, ela desequilibrou-se e ele num movimento rápido e preciso a segurou e a aproximou tanto de seu corpo que aquele contato foi inexplicável; e então aconteceu, o beijo foi inevitável e aquele momento singular parecia ser eterno. Abraçados, próximos, um desejando ao outro. Então, a partir daquele beijo, o que ela já sabia aflorou-se também nele. O amor se escancarou naquelas almas jovens e tão únicas, tão cheias de sede de carinho, amor, de vivacidade, de reciprocidade.
Dali a diante eles viveram uma história de amor cheia de veracidade e cumplicidade, onde um acrescentava ao outro e sempre havia respeito. Fora um tempo de momentos único na vida deles. E Marina sentia-se cada vez mais completa ao lado de Mike. Mas de forma drástica, as coisas dali a alguns dias as coisas iriam mudar completamente. Marina iria receber uma notícia que iria dar um giro de 360 graus em sua vida.
Após uma vista de rotina ao médico, veio o diagnóstico de uma doença muito grave, que se não fosse tratada desde o início as chances de cura eram baixíssimas. E nela já estava em estágio avançado, fora um tormento pra ela a partir daquele dia ficar próxima ao seu amor. Por fim, resolveu aproveitar cada minuto ao lado dele, desfrutar ao máximo cada momento com ele, que é o único que despertou o sentimento mais verdadeiro e mais bonito que os humanos podem ter: o amor. E passou um mês de intensidade ao lado dele, cada sorriso dado por ele, cada gesto, cada palavra, foram guardados como únicos por Marina. 
Mas após outra visita ao médico, ele deixou bem claro que não restava muito tempo de vida a ela. Ela após sair do consultório, resolveu escrever uma carta e falar tudo que sentiu e sente por Mike.


Marina, 20 de setembro de 1997

Querido Mike, eu te amo. Desde a primeira vez que lhe vi, senti que o mundo havia mudado pra mim. Tudo teve outro sentido em minha vida e no nosso primeiro beijo, eu senti o calor de sua pele. Senti o teu abraço e não quis mais sair dele, gostaria de permanecer protegida ali por mais um, dois, três, cinco, sete, dez minutos, por toda minha vida. Foi tão significativo poder estar com você, mesmo que por pouco tempo, suas palavras foram as que me deram mais confiança. O "eu te amo" na hora da despedida me deu mais gás, é verdade, você tem esse potencial de me deixar melhor, é uma pena que não poderemos envelhecer juntos. Queria ser alguém melhor e sempre que você precisasse fazer você bem, mas sou falha e não conseguirei, fui chamada a uma viagem sem volta. Eu vivo nessa infinita oscilação e, só você me entende. Só você entende essa minhas fases, que me deixam nesse mar de incertezas. Gostaria de ter me entregado por inteira a você, mas não pude seria injusto com você. Meu amor me perdoe por nunca ter te falado o que se passava comigo, mas foi por amor e pra lhe poupar. Sempre estarei com você, te amo além do infinito."

Esta foi a carta deixada por Marina para seu grande amor Mike, ninguém sabe até hoje onde ela está enterrada. Após ter escrito a carta, ela viajou e não mais voltou para sua cidade natal.

*Romário Sena é graduando do quarto semestre de Letras Vernáculas da UEFS.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Renovando os votos

Por Danilo Cerqueira*

Foto: Carlos Augusto (Guto Jads) - Jornal Grande Bahia)

Escrever, aliás, é um andar ao encontro dos outros, sem deixar de ser um passeio de si próprio. José Jerônimo de Morais. Parlendas (1995).

Uma reunião com poucas pessoas, duas, ao todo. Provavelmente, a Biblioteca Municipal de Feira de Santana não será o espaço para grandes discussões por algum tempo. Mas isso não quer dizer que não tenhamos boas surpresas. Os ótimos e esticados momentos da Graduando no prédio público municipal puderam acontecer, desta vez, numa conversa com um (a) calouro (a) de outra instituição de ensino superior. Talvez mais superior do que o nível educacional referente aos envolvidos na conversa fosse a nossa disposição ao falar do cotidiano de uma universidade a partir do (s) ponto (s) de vista de uma publicação acadêmica. Nossa disposição para alimentos, muito intensa já naquele horário, não impediu que, novamente, a Graduando efetuasse “um longo e frutuoso diálogo do curso ‘consigo’”. (apresentação da 3ª edição da revista).
Conversar com um (a) estudante de outra instituição foi uma experiência importante, não simplesmente por divulgar a revista ou torná-la conhecida fora dos “muros imaginários” da universidade. Percebemos que as ações da Graduando podem ser feitas e estimulantes não apenas no curso de Letras da Uefs, não apenas nos cursos que atualmente a Uefs abarca em suas dependências, não apenas numa instituição de ensino público, não apenas numa instituição de ensino, não apenas numa instituição. Estava-se ali, na Biblioteca Municipal de Feira de Santana, para compartilhar uma experiência e perpetuar, não uma ação pontual ― equivocadamente entendida como modelo estático para “imitações baratas” ―, mas um entusiasmo criador de novas e contextualizadas ações em qualquer que seja o lugar onde se está. Não foi uma conversa de emissor para receptor. A definição de direção e papéis comunicativos não deve ser algo tão importante numa conversa sobre um periódico acadêmico. Todos (os três) estávamos envolvidos, pelo menos, nestas duas categorias em torno do momento mágico ― porque interativo ― que é a comunicação. Se alguém fica de boca aberta durante alguns momentos numa visita ao circo, ficamos de boca aberta (com um sorrisinho) quando percebemos, depois, o que estávamos fazendo, e, acreditem, o que já havíamos feito até aquele momento. O (a) estudante havia passado por um cursinho pré-vestibular no qual havia sido ensinado (a) por alguns de nossos colaboradores (entendamos colaboradores como membros do conselho, comissão, articulistas, imagistas, poetas e poetisas, cronistas, revisores ― e revisoras ―, comentaristas, fotógrafos ― e fotógrafas ―, enfim, pessoas que, de alguma forma, contribuem para a Graduando). Fomos percebendo, nas feições e interesse do (a) estudante, as mesmas questões que nos espantaram e nos entusiasmaram quando iniciamos a revista, em 2010. O reconhecimento de nossos colaboradores no processo de aprendizado de um (a) estudante que culminou em sua entrada no ensino superior ― por ele próprio ― criou um vínculo entre ele (a) e nós. Seu estranhamento quanto ao universo acadêmico no primeiro semestre, acreditamos, foi sendo diminuído ao longo de uma conversa de mais de duas horas. E também aprendemos com isso (vai aqui um “Muito obrigada!”, pois nos baseamos no gênero da palavra revista para agradecer).
Reconhecemo-nos enquanto colaboradores ― diretos e indiretos em espaços não delimitáveis ― do processo de ensino e aprendizado de mais um (a) novo (a) estudante do ensino superior feirense.

* Danilo Cerqueira é graduado em Letras Vernáculas pela UEFS, cursa o mestrado em Literatura e Diversidade Cultural na mesma instituição e é membro do conselho editorial da revista Graduando.

sábado, 6 de julho de 2013

AQUELA JANELA

Por Jaciene Andrade*


Primeiro, foi a desculpa clássica: “ela já está muito velha, a madeira pode dar mofo; é ruim para o problema respiratório da senhora”. Depois, o motivo real: “além do mais, o bairro todo está se modernizando, não combina mais com coisa antiga assim”. Coisa antiga? Não, ela é a minha janela!

Tenho outras coisas também: 83 anos, asma, reumatismo, problemas cardíacos, dedos finos – que tanto me serviram ao delicado ofício de fiar –, e tenho memória. Desde moça, recém-casada, moro nesta casa e habito esta janela. Meu marido – que Deus o tenha em bom lugar – viajava muito. Eu guardava minha esperança na janela. Para mim bastava a porção de realidade que ela me emoldurava. De olhos semi-baixos, meus dedos corriam naquela deliciosa magia que transforma maços de algodão em linha finíssima. Eu mesma bordava e perfumava os lençóis de cama; e esperava.

Mesmo depois que ele se foi, não deixei de estar à janela. Percebi que a atitude de esperar restava em mim inabalável. O que eu esperava? Eu realmente esperava alguma coisa? Os olhos morriam aos poucos em meus devaneios. Será que de tanto olhar a lua, eu tinha me apaixonado pela luneta? A janela. Minha companheira, minha ânsia de espera, meu filtro de luz de sol. Adorava enfeitá-la com cortinas coloridas, e pela manhã, abri-la preguiçosamente, ouvindo o barulhinho da madeira roçando o batente. Ouvir as dobradiças. O cheiro forte do óleo de peroba com que a ungia.

Há semanas, meus filhos querem tirá-la da casa e de mim, trocar por uma moderna. Nem lembram do quanto fiquei feliz quando meu quarto foi transferido para a região da janela por ocasião da última reforma... Mas estou velha, quase nada me é permitido. Não posso fiar, não posso ter minha janela. A memória lúcida me atormenta. Humildemente, aceitei não abri-la mais como antes, para evitar as tais perigosas correntes de ar. Ah, mas como eu gostava das correntes de ar misturando os cabelos finos... Não posso. Não posso ser fiadeira. A janela também envelheceu. É por isso então que ela não pode mais ser janela?

Saudade dolorosa do tempo em que ela foi janela, e eu, uma curiosa espectadora da vida. Sinto suas ranhuras, a madeira gasta e descorada do sol. Como queriam que ela ficasse? Nunca soube de alguém que, fitando o divino, permanecesse ileso.

Ela viu tantas coisas passarem, e agora vê chegando a sua vez. Eu também não me sustentarei por muito tempo. Não sei ver fora da janela. Ah, e esses dedos que doem tanto ao escrever! Será que lembrar é sofrer? Existe no ser humano uma essência de eternidade que não admite a finitude das coisas. Mas sempre haverá outra fiadeira, e outra janela, e outra fiadeira, e outra janela, e outra


* Jaciene Andrade é graduanda do 7º semestre de Letras Vernáculas da Uefs.

sábado, 15 de junho de 2013

Sobre o que dizer a um calouro, “ao que vai nascer”?

Por Danilo Cerqueira*

Montagem em vídeo com a música "Ao que vai nascer" 
(Intérprete: Milton Nascimento)
Fonte: youtube


― Memória de tanta espera. Teu corpo crescendo, salta do chão... E eu já vejo meu corpo descer. Um dia te encontro no meio da sala ou da rua. Não sei o que vou contar...
― Respostas virão do tempo! ― Um rosto claro e sereno me diz... E eu caminho com pedras na mão. Na franja dos dias, esqueço o que é velho, o que é manco... E é como te encontrar... Corro a te encontrar!...
― Um espelho feria meu olho e na beira da tarde uma moça me vê. Queria falar de uma terra com praias no norte e vinhos no sul. A praia era suja e o vinho vermelho... Vermelho, secou. Acabo a festa, guardo a voz e o violão... Ou saio por aí raspando as cores para o mofo aparecer.
Responde por mim o corpo de rugas que um dia a dor indicou... E eu caminho com pedras na mão. Na franja dos dias esqueço o que é velho, o que é manco... E é como te encontrar...
Corro a te encontrar!

Letra adaptada da música "Ao que vai nascer" (Milton Nascimento).


O que temos a dizer sobre nossas experiências aos novos que estão chegando? Será que as preocupações que temos em relação aos calouros serão reduzidas, em seu momento máximo, a um “trote”. Compreendendo a polissemia do termo, sugiro que tentemos ir além de um encontro em qualquer dia das primeiras semanas de aula e estejamos dispostos a pensar mais em nosso “calouro”. Primeira suposição: creio que todos somos calouros, de todos os semestres. Ao considerar que o calouro seria não apenas aquele que cursa as primeiras disciplinas na instituição, mas sim o que cursa “qualquer” novo semestre na instituição, o número de calouros aumentaria significativamente. Ainda que os dessemestralizados sejam um número cada vez maior, certamente os que estão repetindo uma disciplina é que seriam, categoricamente e especificamente, segundo o meu raciocínio, veteranos. Meu pensamento, acho, é bem estranho: todos os que estão fazendo uma disciplina pela primeira vez é que são calouros. Pronto, falei!
Tá, outras experiências também são importantes na universidade ― e, claro, até as disciplinas já cursadas ―, mas onde podemos conversar abertamente sobre elas, refletir sobre elas, aprender com elas? Repeti-las já é deveras comum. Depois de concluir um curso então... Trazer pessoas graduadas para falar aos novos é tarefa bem estranha e talvez impossível e impensável (até o presente momento, suponho). Mesmo estudantes de semestres posteriores poderiam apresentar as disciplinas recém-cursadas aos mais novos calouros do semestre... Pensemos na impressão que isso iria resultar em nosso curso... Seria estúpido? Seria estranho? Seria incomum? Curioso? Experimentável...? Seria boludo (como poderiam dizer alguns de meus conhecidos, já acalourados)? Seria, sim, a metáfora hiperbólica de uma realidade, a realidade de quem não apenas declama de cabeça, mas de(re)clama com a cabeça; de quem lê não apenas “de cor e salteado”, mas “com cor e sapateado” (!). Convenhamos que seria uma solução mais barata, menos dispendiosa e obviamente mais fácil de ser organizada essa de convidar graduandos para falar a graduandos... “Ou não”?.
Segunda suposição: se pensam(mos) que critico confortavelmente que isso seja atitude obrigatória de uma representação estudantil, um Diretório (ou Centro) Acadêmico, estamos (eu também, talvez) enganados. Se todos somos calouros no início de cada semestre, temos renovada a nossa disposição para aprender, com fascínio, novas ideias. Pensar, organizar e falar sobre algo de nossas experiências para os novos pode surpreender nossa inteligência com uma nova relação, uma nova ligação entre dois fatos que aguça a curiosidade e estimula a leitura da próxima página (ou final desta), o retorno à página anterior (ou ao período acima) e a atenção maior à página aberta (ou linha atual), esta, a presente, no presente. “O tempo é a minha matéria [ou disciplina?]/ O tempo presente, os homens presentes, a vida presente” (poema Mãos dadas, de Carlos Drummond de Andrade). Por falar em presente, em calouros, em ideias, em pensamentos, em letras de músicas, vou deixar mais uma letra pra encerrar, pois a letra com a qual comecei o texto era muito complicada e até triste. Esta é um pouco mais esperançosa... Outra historieta.

A noite entreabre a porta pro sol que já vai entrar... E eu tenho mais perguntas que respostas. A vida me surpreende e o dia vem me lembrar... que todo dia é tudo diferente. Do sudoeste vem chuva e um sentimento de paz... De noite a gente se escuta muito mais. O céu invade a varanda e eu deixo a alma no escuro... E ainda me espanto... com o quanto eu deixo de notar. O sol escala as encostas enquanto eu tomo o café... E eu tenho mais perguntas que respostas.
Tem tanta gente no mundo vivendo vidas seguras... Será que só eu me sinto tão confuso? Eu encho a alma de sustos, de vaga-lumes e estrelas... E fico feliz por nada ou quase tudo. Me sinto meio antiquado pensando tanto em família, vivendo cercado de poucos bons amigos. Eu acredito em bondade, amor e honestidade... E o que me importa são mais perguntas que respostas. A noite encosta a porta, o sol desperta a cidade... E eu planto mais perguntas que respostas.

Letra adaptada da música "Mais perguntas que respostas" (Leoni).

Montagem em vídeo com a música "Mais perguntas que respostas"
(Intérprete: Leoni)
Fonte: youtube

* Danilo Cerqueira é graduado em Letras Vernáculas pela UEFS, cursa o mestrado em Literatura e Diversidade Cultural na mesma instituição e é membro do conselho editorial da revista Graduando.

sábado, 8 de junho de 2013

A mão

Por Mateus Mascarenhas Soares*

A mão desliza
Prazer,
Arrepios;
Conforta, excita
Penetra
Nos fios.

A mão acaricia
Tremor,
Sensação;
Aguça os sentidos,
Desejos,
A mão.

* Mateus Mascarenhas Soares é estudante do 5º semestre do curso de Letras com Inglês.

sábado, 1 de junho de 2013

Paranoia

Por Iagomes

Quando menos esperei, estava te olhando firmemente...
Aquela tua face me fez lembrar algo, algo do qual não sabia o que era, mas me fazia bem. Uma sensação de felicidade, de que finalmente havia encontrado algo que me completasse. Restaria um olhar seu. Mas você nem ao menos notava minha presença. De repente você virou e pela primeira vez naquela noite nossos olhos se encontraram... Algo mágico aconteceu... E aconteceu... Aconteceu como eu esperava... Um tiro... Um grito... Um jato de sangue cobriu o piso do bar... Você estava estirado, petrificado em meio a uma poça de água vermelha que em breve estaria coagulada. Não sei se posso chama-lo de amor, ou de uma paixão repentina, foi apenas uma troca afetuosa de olhar... Quando tudo parecia perfeito, a bala nos separou... Quando tudo parecia mágico, o teu sangue derramou...
Não lembro o que aconteceu naquela noite depois do acontecimento. Sei que acordei alguns dias depois em um quarto branco, totalmente branco, paredes, teto, piso, até a roupa que eu usava era marcadamente tingida de branco. Olhei para os lados e procurei alguma presença humana que me reconforta-se, mas parecia que eu estava sozinho, como realmente eu estava. Gritei, gritei desesperadamente em busca de resposta. Já estava no auge de meu desespero, quando ouço alguém mexendo na fechadura e me preparei para a entrada da pessoa que me tiraria daquele lugar.
Esperei alguns segundos. Vozes. A porta se abre e surge um homem, alto, forte e negro. Com aparência de um lutador de Boxe, vestia um jaleco branco, de médico... É isso de médico... Estava em um hospital, provavelmente me recuperando de algum tiro de raspão ou de um choque nervoso provocado pela situação do bar. Mas não era nem uma coisa nem outra...
Percebi quando entraram dois enfermeiros, me seguraram pelos braços e me injetaram um líquido por meio de uma seringa. Meu mundo começou a esmorecer, fiquei tonto e adormeci... Não lembro mais nada, apenas do gosto de sangue em minha boca. E ter visto toda aquela cena de um lugar que eu juraria ser um copo, um copo de uísque com gelo, muito gelo.

Iagomes (Iago Gomes) é estudante de Letras Vernáculas na UEFS.
Facebook: http://www.facebook.com/iagomess?fref=ts
E-mail: iagogomes18@gmail.com

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