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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

CINEMA NOVO: UMA REVOLUÇÃO NO CINEMA NACIONAL - E O FILME VIDAS SECAS - UM NOVO OLHAR PARA O SERTÃO

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério *


Os anos sessenta parecem ter sido uma década de grande efervescência na cultura brasileira. O teatro experimentou a revolução no seu modo de fazer a ponto de alcançar finalmente uma linguagem dita nacional, afastando-se do modelo italiano. E o cinema começava a conhecer uma nova e revolucionária linguagem, um cinema arte, um cinema revolucionário e com uma cara nacional. Essa nova linguagem cinematográfica virou um importante movimento conhecido como Cinema Novo, assim batizado por Glauber Rocha, cineasta de grande importância do Brasil e principalmente do Cinema Novo.

O movimento cinemanovista tinha como características principais o despojamento, o caráter revolucionário e a busca por mostrar a realidade como ela era de fato, sem enfeites, sem cenários montados. A linguagem buscava o mais alto grau da realidade, e usando de poucos recursos técnicos fazia um cinema artesanal e tocante. O Cinema Novo torna-se um cinema de autor, pois os diretores passam a imprimir sua marca própria a cada cena. Cada detalhe de uma cena era rica em significados, tudo era pensado para produzir sentidos. Por isso, o cinema dos anos sessenta deixa o seu caráter apenas de entretenimento para figurar como a sétima arte, chamando o público a reflexão. 

O Cinema Novo ao assumir um caráter revolucionário buscará refletir a realidade do Brasil, a fim de revelar e discutir os problemas sociais e trazer ao público a verdadeira cara do país. É desse modo que Nelson Pereira dos Santos, precursor desse movimento, dá os primeiros passos como cinemanovista com o filme “Rio, 40 graus”, trazendo o verdadeiro cenário dos morros, das favelas do Rio de Janeiro. Com coragem, Nelson usou como cenário o próprio morro, criando personagens que traziam os reais problemas e dilemas sociais das favelas. Depois, Nelson surge com o filme “Vidas secas”, adaptação do livro homônimo de Graciliano Ramos, e conquista a comunidade especializada com a bela obra de traços cinemanovistas, revelando o estado de exploração e abandono do homem cativo da seca. Fabiano invadiu as telas e emudeceu o mundo.

Nelson usou nesse filme os recursos naturais e gravou no próprio sertão nordestino, diferente dos filmes clássicos da época que gravavam filmes com temática sertaneja usando cenários montados. Em Vidas Secas nada foi montado. Tudo era real, a luz do sol, os ruídos, a sonoridade, nada se desviou da realidade do sertão. Nelson escolheu abrir o filme com o som das rodas de um carro de boi, um som desagradável assim como a seca e a miséria dos personagens centrais, indivíduos abandonados à própria sorte em meio à seca nordestina, sujeitos invisíveis, esquecidos, jogados às margens da sociedade. Curiosamente, é pelas margens do rio seco que os miseráveis caminham. Não estão apenas às margens do rio seco, estão às margens do sistema social, estão excluídos e sem pouso certo, silenciados. 

O Cinema Novo ao mostrar a realidade, revela também às causas dessa realidade e desse modo, Vidas Secas não mostra somente a miséria e abandono da família de retirantes, mas também revela os causadores dessa miséria, ou seja, o Estado camuflado nas figuras do patrão, do soldado amarelo e do cobrador de impostos que juntamente com a seca jogam os miseráveis em um ciclo interminável que os prende no mesmo estado de miséria e exploração. Um ciclo que os impede de vislumbrar uma saída.

A obra Vidas Secas, adaptada ao cinema funciona como um soco no estômago de uma sociedade alheia as misérias dos sertanejos esquecidos. Fabiano com seu silêncio, seu estado de bicho acuado e sem armas aparentes para lutar revela-se em si mesmo um despertar. É ele, que parece um personagem apático, quem chama o mundo a reflexão acerca do apagamento que os problemas sociais do sertão estavam imersos. Fabiano é um personagem emocionante.

Ao posicionar-se como um bicho no mundo Fabiano revela o estado de abandono e exploração ao qual estava submetido. Ele não possuía espaço para além dos limites da fazenda e do ofício de vaqueiro, sempre propriedade de alguém, explorado e sem direitos. Sua identidade foi se moldando e Fabiano não reunia em si a força para se desprender da situação a qual estava submerso, mas tornou-se um devir. A revolução não foi feita por ele, nem sinhá Vitória com seu olhar mais consciente, tampouco por seus filhos, crianças desprovidas de qualquer identidade porque eram a soma de todos os meninos igualmente destinados a serem esquecidos pelo poder do Estado para se tornarem novos “fabianos” no mundo do sertão seco. Contudo, esses sujeitos despertaram um mundo alheio a eles a enxergarem as misérias sociais e o sofrimento daqueles que são jogados as margem da sociedade e estão destituídos de voz e vez em um mundo que segue seu curso sem os perceber.

O filme Vidas Secas, precursor do movimento Cinema Novo, foi premiado internacionalmente, mas seu grande legado foi despertar o mundo e não somente o Brasil para esses personagens extraordinários e ricos na imensidão das caatingas nordestinas. O movimento Cinema Novo tirou a maquiagem das produções nacionais e as pintou com tintas de realidade. Libertou-se dos conceitos clássicos do cinema e com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, como disse Glauber Rocha, fez arte, chamou os espectadores à reflexão e à descolonização das ideias e revolucionou o cinema nacional, encantado o mundo.


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é aluna do 6º semestre do curso Letras Vernáculas pela UEFS.

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